Artigo publicado no site BlitzDigital e reproduzido na íntegra. Ser policial militar no Rio de Janeiro não é uma missão para os fracos, além de estar na linha de frente no combate ao crime organizado, as milícias e ao tráfico de drogas, os policiais precisam enfrentar um inimigo ainda mais covarde, o jornalismo profissional. Os partidários desta facção são extremamente cruéis, apesar de não portarem armas de fogo, como traficantes e criminosos comuns, seu arsenal é ainda mais poderoso e está direcionado à alma das corporações.
A recente exoneração da Tenente Coronel Gabryela Dantas, porta voz e coordenadora da comunicação social da PMERJ, deixou claro que simples exercício funcional de atividades administrativas pode representar sérios riscos para policiais cariocas. Nesta quarta-feira, 09, a oficial publicou, nos canais oficiais da corporação, um vídeo de repúdio a reportagem publicada no jornal O Globo pelo, jornalista profissional, Rafael Soares. O profissional teria tido acesso a um relatório sigiloso que traria a informação sobre o aumento do consumo de munição no 15º Batalhão, em Duque de Caxias. Na unidade, policiais estão sendo investigados pela morte de Emilly Victória Silva dos Santos, de 4 anos, e Rebeca Beatriz Rodrigues dos Santos de 07. De acordo com as declarações da coronel, as informações apuradas pelo jornalista eram falsas e o próprio jornalista teria conseguido as informações corretas em uma consulta à assessoria de comunicação da corporação.
Na verdade, o jornalista teve aceso a um relatório que tratava sobre descarga de munições vencidas, ou seja, a unidade policial estava descarregando, “jogando fora”, descartando munições que não foram usadas por razões de segurança. A situação foi esclarecida pela corporação e repassada a informação de que o consumo de munições da unidade em questão, na verdade, estava 10% abaixo dos valores estimados. Talvez por esta razão tivessem um lote tão grande de munições para descarte. Mesmo com informações técnicas que contrariavam sua tese Rafael Soares publicou matéria com a seguinte manchete:
“Consumo de munição explodiu no batalhão de PMs investigados pelo homicídio de meninas em Duque de Caxias”[1]
A reação parecia evidente. A corporação tinha a obrigação de desmentir a matéria falsa que tentava conectar fatos falsos à morte de crianças inocentes, insinuando que elas teriam ocorrido porque os policiais do 15º Batalhão atuavam de forma violenta e irresponsável, usando suas armas de forma irresponsável e criminosa. E no caso era impossível desmentir a reportagem sem enfatizar o evidente, o jornalista Rafael Soares escreveu uma matéria maldosa, covarde, mentirosa e canalha. Com o objetivo evidente de desmoralizar a Polícia Militar e induzir seus leitores a narrativa de que o uso abusivo de força, por parte dos policiais, teria resultado na morte das meninas.
Mas a verdade é uma ofensa imperdoável para o pessoal do jornalismo profissional, principalmente se ela contraria a narrativa “oficial” adotada, quase sempre uníssono, pela patotinha do selo azul. Ao invés do jornal O Globo fazer uma correção em sua matéria ou contestar tecnicamente a resposta institucional, a solução encontrada foi aumentar o calibre das mentiras, fortalecer a narrativa. Os acontecimentos que se seguiram apontam que o governador em exercício, Cláudio Castro, sofreu pressão do pessoal da mídia e, em um ato de bravura suína, exonerou a oficial da polícia militar de suas funções na comunicação. A autoridade política, sabe-se lá a motivação, escolheu a humilhação pública da oficial e a anuência com a narrativa do jornal que denegria a imagem da Polícia Militar.
Em nenhum momento, pelo menos até agora, houve alegações de que a TC Gabryela Dantas teria agido em desacordo ou desobediência ao comando da corporação, de forma independente. Até porque uma atuação dessa natureza pode configurar crime militar. A oficial teve a coragem de se expor à execração da mídia tradicional, quando poderia ter cumprido seu dever apenas com uma nota ao jornal ou um ofício. O vídeo de repúdio foi publicado nas redes sociais oficiais da PM, se espalhou na internet de forma explosiva e sua exclusão foi vista como uma derrota, deixando claro que não importa se policial está atuando de forma legal, defendendo a verdade, nossas autoridades são reféns e acabam cedendo a influências, no mínimo, pouco republicanas. A imagem das corporações, para a maioria dos políticos, nunca está acima da sua própria.
O episódio não permitiu ao governador punir a tenente coronel, até porque poderia causar comoção e revolta no seio da tropa, e ela deverá assumir o comando do batalhão do Leblon, talvez um prêmio de consolação.
Mas extrema imprensa não teve a mesma piedade e apontou sua artilharia para tentar minar a credibilidade e o profissionalismo da coronel. Em pouco tempo os principais sites de notícia traziam manchetes que transformavam o Sr. Rafael Soares, jornalista profissional, em vítima e a TC Gabryela, em agressora. Como se a policial tivesse agido de forma pessoal, independente. O ridículo da situação mostra a degradação contínua, progressiva do jornalismo profissional, que precisa orquestrar uma campanha para tentar neutralizar uma resposta publicada em canal oficial governamental. Mas o poder de fogo da grande mídia não pode ser ignorado. Mesmo decadente sua influência, principalmente sobre a vaidade das autoridades políticas, abre um flanco para que as corporações policiais sejam alvejadas sempre contrariam o menor dos interesses, como ficou claro.
Os fatos e a verdade a muito deixaram de ser o foco das grandes empresas e dos profissionais mídia, com raras e corajosas exceções. Não se sabe se por conivência ou conveniência empreendem um esforço consciente e voluntário para a destruição da imagem das corporações policiais, funcionando como um catalizador ambiental para o crescimento do crime. Os policiais no Rio de Janeiro já vivem em uma realidade de guerra, mas talvez o pior inimigo não esteja nos morros, mas nas redações.
POR: Major Aguiar
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